segunda-feira, 16 de julho de 2018

Como o algoritmo do Cartola FC contribuiu para o sucesso do jogo



Você, provavelmente, já ouviu falar no Cartola FC. Trata-se de um fantasy game que depende das ações do mundo real para dar pontos aos jogadores no mundo virtual. Criado pelo Globoesporte.com em 2005, permite que um usuário escale um time a cada rodada do Campeonato Brasileiro (11 jogadores + técnico) dentre os atletas que entram em campo. Dessa forma, ações realizadas pelos jogadores dá pontos para quem os escala no jogo. Logo, dá para perceber que o grande vencedor é quem somar mais pontos na última rodada do campeonato.


Foi dessa forma que eu, Maycon Menezes, venci uma competição interna com outros colabores deste blog (Nuno Miguel, Gabriel Rios e Gabriel Moura) no ano passado. E tenho tudo para vencer este ano novamente na nossa liga interna.


Um gol marcado, por exemplo, equivale a oito pontos; uma assistência, cinco. E assim vai com várias outras características do jogo, como roubadas de bola, faltas sofridas, cartões sofridos, etc. Quase tudo vale pontuação, que podem ser positivas ou negativas. A tabela inteira de pontuações pode ser vista aqui.

É possível relacionar tanta atenção ao conceito de pan-óptico, ideia concebida pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham em 1785. Na ocasião, como um mecanismo que permite a um único vigilante observar prisioneiros, que não sabem que estão sendo vigiados. A dúvida leva-os a adotar o comportamento desejado pelo vigilante. No caso do Cartola, o mecanismo que permite tudo ver é o conjunto de câmeras espalhadas pelo campo, que pegam cada detalhe. Cada movimento é computado em forma de pontuação no jogo.

Contudo, existem limitações. Não é possível escalar inicialmente qualquer jogador que se deseja. Há um fator que deixa o jogo mais complexo e desafiador: o algoritmo do próprio game. Vamos explicar neste post como um algoritmo contribuiu para o sucesso do projeto, que já conta com quase 6 milhões de cadastrados.

A brincadeira começa quando cada atleta tem um valor e pode ser adquirido pelo usuário do Cartola com base na moeda fictícia chamada cartoleta. Na primeira rodada, todos começam com 100 delas. O patrimônio, que permite a escolha dos jogadores da vida real, pode ser aumentado com base em um complicado sistema de valorização e desvalorização. Funciona assim: se um jogador for bem em uma rodada, ele custará mais na rodada seguinte e, consequentemente, por ter se valorizado, aumentará em o patrimônio do usuário que escalou esse jogador na rodada. Mas como esse cálculo é feito?

Oficialmente, o jogo não divulga a “fórmula” exata de valorização de cada rodada. Por conta disso, o algoritmo conseguiu deixar o jogo mais desafiador. Com a popularização nos últimos anos, surgiram diversos canais no YouTube que dão dicas sobre o Cartola. Os próprios fãs produtores de conteúdo especulam e tentam passar a fórmula do algoritmo através dos vídeos a fim de ajudar outros usuários.

O principal exemplo dessa tentativa de descoberta da valorização está nas rodadas iniciais. Na primeira, é sabido, com base nos anos anteriores, que os atletas que mais podem valorizar são os que custam menos e, consequentemente, pontuam muito. Já na segunda rodada, a regra muda: para conseguir maior patrimônio, é preciso escalar quem foi muito bem na primeira rodada (quem está custando mais caro), pois o resultado final é feito com base na média dos dois primeiros jogos. Ou seja, nesse último caso, para se ter uma média maior, a primeira pontuação precisa ser boa.

Em matéria postada no site Cartolafcsportv, um dos sites criados por jogadores, há uma tentativa de explicação desta segunda rodada por um dos criadores do fantasy game, Alexandre Saboia:


“Nessa rodada o cartoleiro tem que optar por qual modo de jogo quer: pontos ou cartoletas. Isso pode ser divergente. Jogando por Cartoletas, é preciso ver os jogadores que valorizaram. Nesta segunda rodada o algoritmo passa a considerar a média de pontos do jogador na fórmula. E muito provavelmente o jogador que pontuou bem vai continuar em uma tendência de valorização. A não ser que ele sofra uma catástrofe no jogo. Jogando por Pontos: basta descobrir quem vai fazer mais pontos”

Tudo isso pareceu confuso? Acredite, é assim até para os usuários mais experientes. Afinal estamos tratando de um algoritmo. Segundo o professor de ciências da computação estadunidense Steven Skiena, em citação no artigo O Algoritmo Curador (Elizabeth Corrêa e Daniela Bertocchi), algoritmo, em computação, é um procedimento criado para cumprir uma tarefa específica. Logo, é utilizado para desenvolver uma atividade que, a princípio, pode parecer muito difícil para um homem e que pode ser feito com muito mais rapidez e precisão por um dispositivo inteligente.

Deste modo, o conceito permite pensar como um procedimento não apenas executado por máquinas, mas ainda por homens. Segundo Corrêa e Bertocchi, todo algoritmo é um produto do processo humano, com critérios de escolha definidos com base em algum contexto de oferta da informação. É uma série de instruções com a finalidade de resolver um problema.

Assim sendo, no caso do Cartola, por mais que o algoritmo consiga realizar com eficiência tarefas que até hoje não puderam ser explicadas pelos fãs que estudam o jogo nas redes sociais, ele só funciona corretamente por ter sido feito com base nas pontuações que deve seguir. Ou seja, nas informações previamente definidas por um humano.

Isso pode ser definido melhor, ainda nas palavras de Corrêa e Bertochhi, na relação entre sofisticação do algoritmo e correspondente intervenção humana especializada no processo de construção. Dessa forma, quanto mais informações são necessárias para o modelamento do algoritmo, mais deve ser exigida a participação do comunicador (responsáveis pela produção do fantasy game) como alimentador do modelo e, especialmente, como refinador ao longo da vida útil do algoritmo.

Contribuição para a busca de dados do futebol brasileiro

Podemos ainda fazer outra relação interessante sobre o Cartola: o jogo pode ser considerado uma grande curadoria de dados do Campeonato Brasileiro da primeira divisão. Como estamos tratando de dados sobre cada jogador que ao menos entrou em campo uma vez na competição (obviamente, um jogador que passa todas as rodadas do torneio sem jogar não tem nenhum dado do que ele produziu, pois não jogou), estamos falando de curadoria da informação. Originalmente, o termo curadoria está relacionado ao campo do Direito; passou pelo campo das artes e hoje está vinculado às ações humanas. Em suma, no novo contexto da nossa sociedade digitalizada, curadoria é a organização de dados espalhados na rede. Não entendeu? Calma, vem aí embaixo uma explicação.

Imagine se você não separasse nada no seu guarda-roupa - bermudas, shorts, blusas e outras vestimentas guardadas em qualquer gaveta. Concorda que você teria mais dificuldade para achar uma peça específica se comparado a tudo organizadinho em gavetas para cada tipo de roupa? Isso acontece em uma proporção muito mais profunda (e, surpreendentemente, muitas vezes despercebida) na internet. É possível afirmar que atualmente existe uma grande quantidade de informações sobre vários assuntos no contexto digital. São diversos dados espalhados na internet produzidos por diversos membros que compõem essa grande rede mundial de computadores.

Para se ter uma ideia, um estudo da IDC, empresa consultora de marketing de tecnologia da informação e telecomunicações, estima que todo o conteúdo digital existente no planeta (filmes, livros, músicas, documentos e dados) atingiria 6,6 vezes a distância entre a Terra e a Lua em 2020 se fosse armazenado em uma pilha de iPads de 128 gigabytes. É muita coisa! Se ficou difícil de fazer as contas, talvez a grandeza de 44 trilhões de gigabytes seja mais compreensível. Isso é a exemplificação, de acordo com a pesquisa, de que o universo digital está dobrando a cada dois anos.

Ou seja, é muito conteúdo produzido espalhado por aí. Uma grande ferramenta que te ajuda a não perceber essa grande desordem é, por exemplo, o Google. O site é um gigante algoritmo organizadora de informações com base nas palavras-chave que você digita no campo de busca. Isso acontece, segundo Corrêa e Bertocchi, porque estes sites são baseados em algoritmos curadores, por isso são chamados de “ferramentas de organização da abundância informativa por meio de algoritmos”.

Dessa forma, dá para perceber a importância da curadoria da informação. É um conceito moderno, no conceito digital, para a resolução desse grande problema de excesso de conteúdo, denominado de “tsunami de dados” pelo cineasta Steven Rosenbaum, cujo o gerenciamento é citado pela pesquisadora Giselle Beiguelman como “dadosfera”. Assim sendo, entre tantos tipos de dados presentes na internet, um deles se refere a estatísticas de jogadores em campo. Elas são importantes, por exemplo, para jornalistas esportivos formularem argumentações, para torcedores tirarem as próprias conclusões acerca dos times do coração e para os profissionais que trabalham diretamente na assistência técnica do futebol.

Já pensou como seria difícil encontrar uma informação específica sobre um atleta do Fluminense, por exemplo, se não houvesse uma ferramenta com o objetivo de concentrar vários dados, ao menos, dos grandes times do Brasil? É por isso que o Cartola pode ser considerado uma ferramenta de curadoria do futebol brasileiro. O game acaba contribuindo para a construção do conhecimento da sociedade (sobre futebol - mais especificamente da série A do Brasileirão) ao organizar e tornar fácil o acesso à informação, que embasa esse conhecimento final.

Dessa forma, trazendo uma ideia de que Beiguelman, o Cartola é um curador de informação por fazer uso de ferramentas próprias (os critérios de pontuação e as equipes que os aplicam) associadas a plataformas (exibição desses resultados no jogo), que facilitam o gerenciamento da informação, gerando uma inteligência distribuída sobre o tema.

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