quarta-feira, 18 de abril de 2018

Há cada vez mais comentaristas "profissionais" de futebol



Bem-vindos oficialmente ao blog Sportec! Na nossa série de postagens que estão por vir, vamos abordar as consequências dos novos aparatos tecnológicos no esporte. Hoje, nosso foco será na “perda de autoridade” dos comentaristas esportivos em comparação há alguns anos. Não são décadas, apesar de que faremos essa cronologia. São anos. Alguns anos. Da maneira que estamos presenciando, quiçá nem chegue a uma única década atrás. Mas que maneira é essa?

O imediatismo das hashtags.

Para entendermos melhor, vamos fazer um paralelo. Michel Serres traz em sua obra Polegarzinha que as atuais tecnologias criaram um novo humano, principalmente os mais jovens - que já nasceram imersos nessa cultura nos últimos anos ou aqueles que foram engolidos pelos aparatos ainda na infância e pré-adolescência -, que não exita em utilizar seus polegares para entrar em contato com os milhares de conteúdos disponíveis na rede. Entre outras tarefas mais específicas que fazem, como assistir a vídeos, ler notícias ou ouvir músicas, eles opinam.

E é muito fácil opinar. No twitter, por exemplo, em poucos caracteres é possível compartilhar uma opinião e, provavelmente, existir alguém que participe do debate. Basta incluir a hashtag do tema do momento e aguardar alguns minutos. Normalmente, alguns desses temas é proposto por um programa de televisão. E é dentro dessa gama de assuntos pautados pelas telinhas que estão os programas esportivos. Já que o foco em quase todos eles é o esporte mais popular do planeta, praticamente todos os dias pelo menos um termo referente ao assunto figura entre os trending topics.

Os programas esportivos já exploram isso. Cada um tem a sua própria hashtag. #linhadepasse, #bbdebate, #bomdiafox… Além disso, nas transmissões de jogos já há a participação da audiência. Durante o jogo na tela fica presente a hashtag para o público interagir com a narração mas também entre eles.

As pessoas assistem ao jogo com olhos na tela e dedos no teclado virtual para lançar seu tweet depois de algum lance de impacto. Com isso alguns perfis obtém até um certo destaque e competem na audiência virtual com os próprios comentaristas em seus twitters. Alguns como o “Curiosidades Premier League” possuem mais de 60 mil seguidores.

Segundo Serres, “graças à internet, há um espaço que já não é determinado pela distância, mas pelas proximidades”. A citação, de sua maneira, já consegue explicar porque isso acontece. Se a tevê já foi o meio de comunicação e obtenção de conteúdo de maior imponência e relevância nacional sem nenhum concorrente à altura, hoje há, no mínimo, uma ameaça da internet na maneira de se buscar informação. Por conta disso, a televisão tenta se reinventar. Não é em vão que cada vez mais atrações, seja no sinal aberto ou fechado, buscam engajamento com o público por meio dos artefatos das redes sociais.

Esse engajamento entre mídias, para existir por completo, precisa aparecer na tevê. Ou seja, o telespectador precisa ver e ouvir sua participação ser lida ou exibida ao vivo. É justamente o que se acompanha hoje. Seja por meio do famoso gerador de caracteres (GC) ou lido em voz alta pelo próprio apresentador do programa (em algumas situações até pelos chamados “assistentes”), a opinião de quem está em casa passou a ter mais destaque. Então surge a pergunta: mas isso aconteceu por que o espectador ganhou autoridade ou aconteceu o contrário, foi a televisão quem perdeu? Os dois.

O fato de o público de casa ganhar mais poder já foi respondido: é preciso ainda atraí-lo a continuar ligado de alguma maneira aos programas, mesmo que essa a atenção seja dividida com a internet. Se no início das transmissões o objeto no centro da sala servia para prender a família em frente à tela, hoje isso está cada vez mais raro.

Então, no nosso tema de debate da figura do comentarista esportivo, por que quem está no estúdio está “perdendo autoridade”? Pois agora está muito mais fácil o acesso às informações, às oportunidades de rever lances e buscar estatísticas cada vez mais precisas. Se sempre foi comum entusiastas de futebol espalhar a didática que acham que possuem no tema por aí afora, seja em um bar assistindo a um jogo ou em uma roda de amigos no dia seguinte, a figura do comentarista nunca foi tão contestada quanto hoje.

Em Polegarzinha, Michel Serres aborda que um dos principais desafios dos professores é se adaptar a uma nova realidade de ensino. Se antes os alunos chegavam na sala de aula e deveriam absorver a maior quantidade de conteúdo despejado pelo proprietário do saber que pudessem, hoje a realidade está um pouco diferente. Muitas vezes, eles já chegam na sala conhecendo o assunto, antecipam um conteúdo que seria dado mais à frente e ainda contestam o que o professor diz.

Um exemplo muito comum sobre o professor ser contestado é em uma aula de sociologia sobre períodos totalitários. Antes, o mestre simplesmente separava os conteúdos. “Vamos ver hoje regimes de extrema-esquerda, como o que aconteceu na União Soviética. Depois, vamos ver os de extrema-direita, como o nazismo, franquismo e salazarismo”, poderia dizer um professor e essa era a verdade. Com uma sociedade cada vez mais polarizada e informações que surgem de todas as maneiras possíveis na internet, muito provavelmente algum aluno pode retrucar: “Mas, professor, o nazismo não é de esquerda?”. Está iniciado o debate.

Agora, no campo esportivo o público possui maior acesso às informações e estatísticas. Se antes as emissoras possuíam seu próprio centro de dados, hoje qualquer pessoa pode acessar sites como o Footstats e assim acessar o mesmo conteúdo antes disponível apenas à comentaristas. São informações sobre quantos quilômetros cada jogador percorre em campo, quantos escanteios foram cobrados por um time, quantos chutes em direção ao gol foram feitos. Novos dados que se incorporam à própria linguagem artificial criada pelo homem, de acordo com Flusser, e, com isso, mudam a forma de se analisar o esporte.

Com isso, situações como o especialista falar “tal time jogou de maneira muito burocrática e recuada. Não teve posse de bola e dependeu exclusivamente de contra-ataques para vencer o jogo” pode ser rebatida com um espectador afirmando que “mas tal time concedeu poucas chances ao adversário. Dentro da sua proposta a esquadra jogou bem”, iniciando assim um debate. O público passa a ter mais embasamento com o maior repertório de informações.

Comentarista Elton Serra chegou a abandonar a conta do twitter
após divergências de opiniões com seguidores após primeiro jogo entre
Bahia e Vitória deste ano
Essa é a parte boa desta tendência. Com as novas tecnologias também se encurtou a distância entre emissor e ouvinte. Ou seja, se antes era necessário mandar uma carta para o jornal ou fazer uma ligação para a rádio para haver esse embate. Contudo, a relação de instantaneamente pode causar desentendimentos e não ser das mais amigáveis. Em algumas situações, usuários das redes sociais se aproveitam da sensação de anonimato do ambiente virtual para postar comentários ofensivos ao acusar comentaristas de parciais. Seja professor ou aluno, nesse caso comentarista ou torcedor, em um momento social em que as opiniões divergentes são cada vez mais dificilmente aceitas, é preciso pensar pelo menos mais uma vez antes de usar os polegares.


Mauro Cezar, comentarista da ESPN Brasil


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