quarta-feira, 16 de maio de 2018

Desterritorialização do futebol: Corinthians e Flamengo cada vez mais nacionais

Para começarmos uma discussão sobre de que forma o fenômeno da desterritorialização acontece dentro do esporte e, principalmente, dentro do futebol, precisamos entender primeiro o significado de rede. Não só desde sua gênese, hoje a palavra tem um significado quase que onipresente nas áreas do conhecimento. No que iremos discorrer, podemos dizer que rede é uma técnica maior de organização do espaço-tempo. Segundo Musso, é uma matriz espaço-temporal. de um lado, a rede técnica abre a restrição espacial sem a suprimir e superpõe um espaço sobre o território - ela territorializa e desterritorializa - e, de outro lado, ela cria um tempo curto pelo rápido transporte ou pelo intercâmbio de informações.

Para entender a desterritorialização dentro do futebol brasileiro é preciso aceitar que ela não se deu apenas por um fator único, ou seja, não há uma fórmula exata que diga especificamente o motivo de ter acontecido esse fenômeno. A história do futebol no Brasil é muito rica e longa, e descrever minuciosamente cada aspecto tomaria um enorme quantidade de linhas. Portanto, utilizaremos como exemplo as torcidas de Flamengo e Corinthians para explicar os motivos que levaram à desterritorialização dentro do futebol brasileiro.

Não é novidade para ninguém que as torcidas de Flamengo e Corinthians são as maiores do Brasil. Na última pesquisa do datafolha, publicada em 13 de abril de 2018, foi constatado que o Flamengo ainda possui a maior torcida, com 18%, e, em segundo, o Corinthians aparece com 14% dos torcedores dentro de todo o território nacional. O interessante da pesquisa é que ela também mostra a quantidade de torcida dos clubes dentro de cada região do país. Na região Norte, o Flamengo aparece com 23% dos torcedores da área, sendo o principal clube com torcida. O segundo é o Corinthians, com 8%, e, entre os oito primeiros colocados no ranking da região, nenhum clube que tem suas origens no norte do país.

E não para por aí. Tirando a região Sul, que possui Grêmio e Internacional como os dois principais clubes em torcida, em todas as outras regiões Flamengo e Corinthians são os dois primeiros colocados no ranking. Como já foi dito, esse fenômeno pode se dar por inúmeros fatores que atuam de forma conjunta. O primeiro deles é o acesso. Flamengo e Corinthians são dois clubes conhecidos por serem times de massa. As torcidas que eles possuem dentro dos seus próprios nichos (Rio de Janeiro e São Paulo) e o apelo comercial que adquiriram por isso fizeram com que grandes empresas investissem nas relações com esses clubes. Em 2018, por exemplo, Corinthians e Flamengo terão direito à 170 milhões de reais cada em cotas televisivas da Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro da Série A.

Por esses motivos, o espaço dentro das grandes mídias desses clubes cresce a cada dia. Mesmo em emissoras como a ESPN e a Fox Sports, que não detêm nenhum direito sobre a transmissão do campeonato brasileiro, a programação diária é pautada principalmente nesses dois clubes com maior torcida, além de outros que dão audiência como Palmeiras, Vasco, São Paulo, etc. A partir disso, grandes clubes do futebol brasileiro, como o Santos, por exemplo, perdem muito espaço na mídia e acabam sofrendo com o processo inverso: Diminuição de sua torcida. Em fevereiro de 2017, foi feita uma pesquisa pelo instituto datafolha que revelou que, de 1993 pra cá, o Santos perdeu cerca de 28,5% de sua torcida, e isso apenas na cidade de São Paulo.

Outro fator que ajuda muito no processo de desterritorialização é a avalanche chamada “redes sociais”. Torcedores de todos os lugares do Brasil estão conectados e podem conversar entre si sobre os seus times, e acompanhar todas as notícias e informações como se estivessem na cidade do próprio clube. Sendo assim, torcedores do São Paulo, por exemplo, que vivem no Mato Grosso do Sul, podem ter acesso à torcedores que moram no Amapá, e, em grupos de Facebook, Whatsapp, etc., discutir coisas como a melhor escalação para o time, ou se o técnico está fazendo um bom trabalho, entre tantas outras possibilidades. Isso cria uma aura em torno dos clubes de futebol, que, quando vão para cidades mais distantes de suas sedes são recepcionados com enorme comoção.

Isso se deve ao efeito das redes como a internet na desterritorialização causante do crescimento do transporte da presença, como diz Weissberg. Nesse sentido, a importância do território é questionada, quiçá negada, pois um time, antes local, passou a ser considerado como de abrangência nacional, sendo que um torcedor não precisa necessariamente morar no território de origem do clube para ser torcedor. Por outro lado, uma observação mais flexível discorre que, ao contrário de negar a importância da localização, as redes só fazem aumentá-la. Dessa forma, as comunidades de torcedores que mais veem as relações interferidas são as territorialmente próximas. Assim, torcidas locais de times de fora encontram na internet (coletividades) um meio de reforçar seus laços e a frequência de seus encontros reais, tanto na cidade de origem do time quanto em outros locais.

A desterritorialização das torcidas nos estádios construídos para a Copa

Um exemplo concreto da presença da desterritorialização dos times brasileiros é o número massivo de torcedores oriundos de regiões externas a de origem da equipe em estádios que foram erguidos para a Copa do Mundo de 2014. Em Brasília, o Estádio Mané Garrincha, considerado o 2° mais caro do mundo em custos totais (segundo a Pluri Consultoria) foi construído numa cidade sem tradição no futebol nacional. Os times mais conhecidos do Distrito Federal como Gama, Ceilândia e Brasiliense estão fora do campeonato brasileiro ou no mínimo na série D, quarta divisão, sendo obrigatória a participação de pelo menos duas equipes de cada unidade federativa. Com capacidade de 72.788 assentos, o Mané Garrincha corria risco de ser transformado em um grande elefante branco no pós Copa, pois não teria público suficiente disposto a ocupar parte considerável das cadeiras e usufruir dos serviços disponíveis nas partidas de times locais.

Entre os anos de 2013 e 2016 foram realizadas partidas pelo Campeonato Brasileiro da Série A em Brasília com equipes da região sudeste como Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense, Corinthians, São Paulo, Cruzeiro, da região sul como o Atlético Paranaense e região centro-oeste o Goiás. Além de dar utilidade ao estádio com a realização de partidas, o público pagante ocupava parcela significativa das cadeiras. Ao mesmo tempo, em partidas realizadas por times regionais, o público não passava dos 1.000 pagantes. Essa disparidade controversa é explicada pelo levantamento feito em 2014 pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), a qual, revelou que 60% dos habitantes torcem para times de fora. Dentre os times de fora, o Flamengo ocupa a primeira posição com 47,9%, seguido de Vasco com 12,2% e Corinthians com 7,3%. Com o baixo sucesso das equipes locais na história do futebol brasiliense, apenas 5,9% dos habitantes torcem para algum time local.

As tentativas de aproveitarem a desterritorialização entre torcidas e equipes no Distrito Federal foram frustradas com a proibição das equipes do campeonato brasileiro da série A de realizarem partidas com mando de campo fora do estado de origem. Sendo assim, o estádio com reforma orçada em 1,5 bilhão passou por um hiato de 9 meses sem uma única partida de futebol oficial transformando todo o potencial de reunir torcidas desterritorializadas num elefante branco sem utilidade.

A mesma questão de desterritorialização das torcidas cabe a Arena da Amazônia. Com times apenas na série D e baixíssima presença de público, a alternativa encontrada é abrir espaço para a realização de eventos que não estejam ligados ao futebol. Vale ressaltar que o futebol feminino é muito presente na Arena da Amazônia, pois a equipe de Iranduba disputa a primeira divisão do brasileirão, no entanto, o brasileiro ainda não se familiarizou com o futebol feminino da forma como acompanha o masculino.

No Amazonas, segundo dados de 2015 da empresa de pesquisa Action, o Flamengo é o time com maior porcentagem de torcedores com 45,8% dos torcedores, seguido de Vasco da Gama com 19,3%, Corinthians com 9% e São Paulo com 7,9%. Somente na quinta posição que aparece um time local o Nacional com míseros 4,1% de torcedores.

Aproveitando esses números numa metrópole como Manaus com 2.130.000 habitantes, foi realizado em 2016 partidas válidas pela a final Taça Guanabara na Arena da Amazônia duas partidas entre Flamengo, Vasco e Fluminense. Na primeira partida o público chegou a 32.061 torcedores, enquanto que na segunda partida pela Taça o número de torcedores foi de 44.419. Fazendo um comparativo da mesma época, a média de torcedores em partidas oficiais na atuação de times locais chegava a 6% da capacidade de assentos no estádio.

Clubes filhos de outros clubes

O sucesso e consolidação que as equipes garantiram ao longo do tempo influenciou os torcedores desterritorializados irem além do que torcer por um time de uma outra região. Claro que alguma dessas equipes que influenciaram não tem o mesmo sucesso hoje que tiveram tempos atrás como o América do Rio de Janeiro, no entanto, a vontade de criar um clube por amor a uma equipe de fora perdurou e inúmeros clubes chamado América, por exemplo, com seu emblema circular vermelho e branco estão espalhados pelo Brasil e até no exterior. Um dos grande filhos do time carioca é o América de Natal que já disputou 15 temporadas da primeira divisão do campeonato brasileiro sendo a última em 2007.

Similar a este exemplo citado acima podemos falar do Botafogo da Paraíba, Fluminense de Feira, Flamengo do Piauí, Flamengo de Guanambi, Santos do Amapá, Atlético do Espírito Santo. A semelhança destas equipes é tão óbvia que além dos nomes corresponderem as grandes equipes do Campeonato Brasileiro os escudos são praticamente iguais ou muito próximos como uma estrela solitária branca no carioca e uma estrela solitária vermelha no paraibano.


Outrossim, para Pierre Lévy, o virtual é o que se opõe ao atual, ou seja, um nó de tendências que acompanham uma situação. No caso do futebol, as influências dos times das regiões Sul e Sudeste sobre os do restante do Brasil, seja para inspirar novos times, seja para atrair novos torcedores. Logo, quando essas tendências se virtualizam, ela se desterritorializam.

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