segunda-feira, 16 de julho de 2018

Como o algoritmo do Cartola FC contribuiu para o sucesso do jogo



Você, provavelmente, já ouviu falar no Cartola FC. Trata-se de um fantasy game que depende das ações do mundo real para dar pontos aos jogadores no mundo virtual. Criado pelo Globoesporte.com em 2005, permite que um usuário escale um time a cada rodada do Campeonato Brasileiro (11 jogadores + técnico) dentre os atletas que entram em campo. Dessa forma, ações realizadas pelos jogadores dá pontos para quem os escala no jogo. Logo, dá para perceber que o grande vencedor é quem somar mais pontos na última rodada do campeonato.


Foi dessa forma que eu, Maycon Menezes, venci uma competição interna com outros colabores deste blog (Nuno Miguel, Gabriel Rios e Gabriel Moura) no ano passado. E tenho tudo para vencer este ano novamente na nossa liga interna.


Um gol marcado, por exemplo, equivale a oito pontos; uma assistência, cinco. E assim vai com várias outras características do jogo, como roubadas de bola, faltas sofridas, cartões sofridos, etc. Quase tudo vale pontuação, que podem ser positivas ou negativas. A tabela inteira de pontuações pode ser vista aqui.

É possível relacionar tanta atenção ao conceito de pan-óptico, ideia concebida pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham em 1785. Na ocasião, como um mecanismo que permite a um único vigilante observar prisioneiros, que não sabem que estão sendo vigiados. A dúvida leva-os a adotar o comportamento desejado pelo vigilante. No caso do Cartola, o mecanismo que permite tudo ver é o conjunto de câmeras espalhadas pelo campo, que pegam cada detalhe. Cada movimento é computado em forma de pontuação no jogo.

Contudo, existem limitações. Não é possível escalar inicialmente qualquer jogador que se deseja. Há um fator que deixa o jogo mais complexo e desafiador: o algoritmo do próprio game. Vamos explicar neste post como um algoritmo contribuiu para o sucesso do projeto, que já conta com quase 6 milhões de cadastrados.

A brincadeira começa quando cada atleta tem um valor e pode ser adquirido pelo usuário do Cartola com base na moeda fictícia chamada cartoleta. Na primeira rodada, todos começam com 100 delas. O patrimônio, que permite a escolha dos jogadores da vida real, pode ser aumentado com base em um complicado sistema de valorização e desvalorização. Funciona assim: se um jogador for bem em uma rodada, ele custará mais na rodada seguinte e, consequentemente, por ter se valorizado, aumentará em o patrimônio do usuário que escalou esse jogador na rodada. Mas como esse cálculo é feito?

Oficialmente, o jogo não divulga a “fórmula” exata de valorização de cada rodada. Por conta disso, o algoritmo conseguiu deixar o jogo mais desafiador. Com a popularização nos últimos anos, surgiram diversos canais no YouTube que dão dicas sobre o Cartola. Os próprios fãs produtores de conteúdo especulam e tentam passar a fórmula do algoritmo através dos vídeos a fim de ajudar outros usuários.

O principal exemplo dessa tentativa de descoberta da valorização está nas rodadas iniciais. Na primeira, é sabido, com base nos anos anteriores, que os atletas que mais podem valorizar são os que custam menos e, consequentemente, pontuam muito. Já na segunda rodada, a regra muda: para conseguir maior patrimônio, é preciso escalar quem foi muito bem na primeira rodada (quem está custando mais caro), pois o resultado final é feito com base na média dos dois primeiros jogos. Ou seja, nesse último caso, para se ter uma média maior, a primeira pontuação precisa ser boa.

Em matéria postada no site Cartolafcsportv, um dos sites criados por jogadores, há uma tentativa de explicação desta segunda rodada por um dos criadores do fantasy game, Alexandre Saboia:


“Nessa rodada o cartoleiro tem que optar por qual modo de jogo quer: pontos ou cartoletas. Isso pode ser divergente. Jogando por Cartoletas, é preciso ver os jogadores que valorizaram. Nesta segunda rodada o algoritmo passa a considerar a média de pontos do jogador na fórmula. E muito provavelmente o jogador que pontuou bem vai continuar em uma tendência de valorização. A não ser que ele sofra uma catástrofe no jogo. Jogando por Pontos: basta descobrir quem vai fazer mais pontos”

Tudo isso pareceu confuso? Acredite, é assim até para os usuários mais experientes. Afinal estamos tratando de um algoritmo. Segundo o professor de ciências da computação estadunidense Steven Skiena, em citação no artigo O Algoritmo Curador (Elizabeth Corrêa e Daniela Bertocchi), algoritmo, em computação, é um procedimento criado para cumprir uma tarefa específica. Logo, é utilizado para desenvolver uma atividade que, a princípio, pode parecer muito difícil para um homem e que pode ser feito com muito mais rapidez e precisão por um dispositivo inteligente.

Deste modo, o conceito permite pensar como um procedimento não apenas executado por máquinas, mas ainda por homens. Segundo Corrêa e Bertocchi, todo algoritmo é um produto do processo humano, com critérios de escolha definidos com base em algum contexto de oferta da informação. É uma série de instruções com a finalidade de resolver um problema.

Assim sendo, no caso do Cartola, por mais que o algoritmo consiga realizar com eficiência tarefas que até hoje não puderam ser explicadas pelos fãs que estudam o jogo nas redes sociais, ele só funciona corretamente por ter sido feito com base nas pontuações que deve seguir. Ou seja, nas informações previamente definidas por um humano.

Isso pode ser definido melhor, ainda nas palavras de Corrêa e Bertochhi, na relação entre sofisticação do algoritmo e correspondente intervenção humana especializada no processo de construção. Dessa forma, quanto mais informações são necessárias para o modelamento do algoritmo, mais deve ser exigida a participação do comunicador (responsáveis pela produção do fantasy game) como alimentador do modelo e, especialmente, como refinador ao longo da vida útil do algoritmo.

Contribuição para a busca de dados do futebol brasileiro

Podemos ainda fazer outra relação interessante sobre o Cartola: o jogo pode ser considerado uma grande curadoria de dados do Campeonato Brasileiro da primeira divisão. Como estamos tratando de dados sobre cada jogador que ao menos entrou em campo uma vez na competição (obviamente, um jogador que passa todas as rodadas do torneio sem jogar não tem nenhum dado do que ele produziu, pois não jogou), estamos falando de curadoria da informação. Originalmente, o termo curadoria está relacionado ao campo do Direito; passou pelo campo das artes e hoje está vinculado às ações humanas. Em suma, no novo contexto da nossa sociedade digitalizada, curadoria é a organização de dados espalhados na rede. Não entendeu? Calma, vem aí embaixo uma explicação.

Imagine se você não separasse nada no seu guarda-roupa - bermudas, shorts, blusas e outras vestimentas guardadas em qualquer gaveta. Concorda que você teria mais dificuldade para achar uma peça específica se comparado a tudo organizadinho em gavetas para cada tipo de roupa? Isso acontece em uma proporção muito mais profunda (e, surpreendentemente, muitas vezes despercebida) na internet. É possível afirmar que atualmente existe uma grande quantidade de informações sobre vários assuntos no contexto digital. São diversos dados espalhados na internet produzidos por diversos membros que compõem essa grande rede mundial de computadores.

Para se ter uma ideia, um estudo da IDC, empresa consultora de marketing de tecnologia da informação e telecomunicações, estima que todo o conteúdo digital existente no planeta (filmes, livros, músicas, documentos e dados) atingiria 6,6 vezes a distância entre a Terra e a Lua em 2020 se fosse armazenado em uma pilha de iPads de 128 gigabytes. É muita coisa! Se ficou difícil de fazer as contas, talvez a grandeza de 44 trilhões de gigabytes seja mais compreensível. Isso é a exemplificação, de acordo com a pesquisa, de que o universo digital está dobrando a cada dois anos.

Ou seja, é muito conteúdo produzido espalhado por aí. Uma grande ferramenta que te ajuda a não perceber essa grande desordem é, por exemplo, o Google. O site é um gigante algoritmo organizadora de informações com base nas palavras-chave que você digita no campo de busca. Isso acontece, segundo Corrêa e Bertocchi, porque estes sites são baseados em algoritmos curadores, por isso são chamados de “ferramentas de organização da abundância informativa por meio de algoritmos”.

Dessa forma, dá para perceber a importância da curadoria da informação. É um conceito moderno, no conceito digital, para a resolução desse grande problema de excesso de conteúdo, denominado de “tsunami de dados” pelo cineasta Steven Rosenbaum, cujo o gerenciamento é citado pela pesquisadora Giselle Beiguelman como “dadosfera”. Assim sendo, entre tantos tipos de dados presentes na internet, um deles se refere a estatísticas de jogadores em campo. Elas são importantes, por exemplo, para jornalistas esportivos formularem argumentações, para torcedores tirarem as próprias conclusões acerca dos times do coração e para os profissionais que trabalham diretamente na assistência técnica do futebol.

Já pensou como seria difícil encontrar uma informação específica sobre um atleta do Fluminense, por exemplo, se não houvesse uma ferramenta com o objetivo de concentrar vários dados, ao menos, dos grandes times do Brasil? É por isso que o Cartola pode ser considerado uma ferramenta de curadoria do futebol brasileiro. O game acaba contribuindo para a construção do conhecimento da sociedade (sobre futebol - mais especificamente da série A do Brasileirão) ao organizar e tornar fácil o acesso à informação, que embasa esse conhecimento final.

Dessa forma, trazendo uma ideia de que Beiguelman, o Cartola é um curador de informação por fazer uso de ferramentas próprias (os critérios de pontuação e as equipes que os aplicam) associadas a plataformas (exibição desses resultados no jogo), que facilitam o gerenciamento da informação, gerando uma inteligência distribuída sobre o tema.

sábado, 14 de julho de 2018

O "VAR" do vôlei é menos problemático. Por quê?

FIVB/Divulgação

Quem é fã de vôlei sabe que no fim de todas as partidas não haverá empates. A busca por cada ponto, por cada set, é fundamental, tanto quanto apenas um gol que se faz numa partida de futebol e torna suficiente para dar vitória para um time. Porém, ao contrário do jogo no campo de grama, no vôlei as jogadas acontecem numa velocidade absurda. Em algumas são impossíveis de serem acompanhadas pelo olhar e pelo raciocínio humano com exatidão. 

Antes da implementação do árbitro de vídeo no vôlei, o chamado video challenge, inúmeras injustiças aconteceram por conta dessa incapacidade humana. Não seria falta de interpretação da jogada ou interpretação equivocada do árbitro, até porque, no vólei, a finalização dos pontos são fatos sem argumentos e sem análises subjetivas. 

Na modalidade de praia, por exemplo, a Federação Internacional de Vôlei (FIVB) passou a trabalhar veementemente para introduzir o vídeo a fim de auxilar a arbitragem após o Mundial da Holanda, em 2015. Na época, um erro decidiu a partida válida pela semifinalentre os holandeses Nummerdor/Varenhorst e os brasileiros Pedro Solberg/Evandro. A bola bateu levemente nos dedos de Varenhorst, que recusou o golpe, após ataque de Evandro. O lance foi repetido no telão da arena de Haia, mas a arbitragem marcou bola fora e confirmou a vitória dos donos da casa.

Dessa forma, a existência de um sistema quase que um pan-óptico, então, se faz muito útil. Essa ideia foi concebida pelo filósofo e jurista inglês Jeremy Bentham em 1785 como um mecanismo que permite a um único vigilante observar todos os prisioneiros, sem que estes possam saber se estão ou não sendo observados. O medo e o receio de não saberem se estão a ser observados leva-os a adotar a comportamento desejado pelo vigilante¹.

No caso, do vôlei, a existência do sistema de vídeo é clara e, por conta disso, os jogadores sabem que estão sendo observados. Essa é a diferença, que não muda, porém, o fato de que não poderão reclamar ou tentar interferir na decisão de exerce as regras, pois contra o vídeo não há argumento, afinal, ao contrário do futebol, a aplicação delas é objetiva. Logo, em tempos de fair play em todos os segmentos do esporte divulgados a exaustão, levar os jogadores a terem um comportamento desejado pelos grandes que comandam os campeonatos e federações (os vigilantes se fosse no pan-óptico) também é importante.

Talvez, seria o sonho do VAR do futebol ter autonomia para dizer alguma coisa por conta própria, mas como o futebol é um jogo de contato, de movimento e de intensões anti-fair play, tudo que não se conclui recorre para a reinterpretação humana com ajuda de uma gravação. 

Um toque na rede, um toque na bola, bola fora ou dentro, na antena ou em algum jogador, invasão. No vôlei, todas essas possibilidades de dar pontos ao adversários acontecem, independente de conclusões que possam se diferenciar de um juiz para o outro. Como a tecnologia é bastante avançada, aquele juiz, que poderia insistir numa situação que o árbitro de vídeo diz o oposto, estaria colocando em dúvida a sua capacidade e seu profissionalismo em apitar uma disputa. 

Outro ponto que torna o mecanismo mais justo é que as solicitações feitas por jogadores e comissão técnica são levadas mais a sério. Visto que as características do esporte e também pelo acordo de um pedido por set, a revisão da jogada vem baseada em um fato que aconteceu ou não, não de achismos.

Com ausência do "VAR", indubitavelmente, muitas equipes já foram prejudicadas. O time adversário, nos momentos mais tensos e decisivos, dificilmente confessará o erro. Mas o vídeo estará ali para desmenti-lo e compensar a incapacidade humana de acompanhar detalhe por detalhe a cada segundo. 

Portanto, ao contrário do VAR do futebol, onde mesmo com o uso da imagem ainda cabe interpretação subjetiva do juiz, no vôlei a análise chega a ser robótica em um tudo ou nada. No futebol não existe um padrão definido de quanto de empurrão ou pisão deve ser dado para conseguir alguma falta ou pênalti. Já no vôlei, os pontos são mais óbvios porque existe uma linha demarcadora, um toque que não é permitido na rede, uma bola fora que cabe ao arbitro concluir de que é ponto de algum time. Para avaliar uma situação dessas, as pessoas não trabalham a mente da forma como o VAR do futebol exige que você trabalhe. 

Então o VAR do vôlei é menos problemático, pois as jogadas, com erros ou não, são exatas. Já no futebol, mesmo revendo o lance posso não concordar com outras opiniões, afinal a interpretabilidade existe em escala muito maior.

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¹ Definição retirada de https://pt.wikipedia.org/wiki/Pan-%C3%B3ptico

 

quarta-feira, 11 de julho de 2018

Opinião: meu irmão torce mais para o Real Madrid do que para o Bahia

Foto: Real Madrid - site oficial

Eu, Gabriel Moura, tenho um irmão de oito anos. Ele é torcedor do Bahia e sempre vai aos jogos, mas o passatempo dele favorito é sentar na frente da televisão e jogar o game FIFA. Ele adora controlar os jogadores dos times europeus, criar ligas, contratar e vender jogadores…

Hoje eu resolvi fazer algumas perguntas ao meu irmão para esta terceira parte do tema desterritorialização, com conceitos bibliográficos que já foram debatidos nos temas futebol nacional e basquete norte-americano. Primeiro perguntei qual a escalação do Bahia. O pequeno malmente conseguiu mencionar cinco jogadores. Logo após, levantei a mesma questão, só que com os times europeus. Ele respondeu corretamente de todos os times, Barcelona, Real Madrid, Manchester City, Juventus… Titulares e reservas. Ainda dizia o estilo de jogo de cada jogador e os reconhecia por foto. Logo após esse diálogo, ele pegou sua camisa do Real Madrid e foi jogar bola.

Crianças como meu irmão são cada vez mais comuns e não é difícil de se perceber. Nas ruas, as camisas que os meninos usam são as dos times europeus, os ídolos deles são dos clubes gringos, a discussão não é mais quem é melhor o jogador do meu time ou o do rival mas sim entre Messi e Cristiano.

A influência dos games nisso é clara. Se a criança perde horas jogando com o Manchester City, obviamente ela terá mais contato com o clube inglês que com o seu time brasileiro do coração. Aliado a isso, há o fato de os clubes brasileiros não se atentarem a esse mercado não apenas para conquistar os jovens brasileiros mas também para a internacionalização da marca. No FIFA, o game mais vendido, alguns times brasileiros estão presentes (Vitória, Flamengo e Corinthians, por exemplo, não estão), mas apenas com os escudos e uniformes, os jogadores são genéricos por causa de um problema judicial envolvendo atletas brasileiros e a EA, produtora do jogo.

Já no Pro Evolution Soccer, o PES, da produtora japonesa Konami, todos os times brasileiros da primeira divisão estão presentes e com os atletas reais, no entanto esse jogo é muito menos vendido que o FIFA e atinge um público menor.

Além dessa questão do não investimento nos games, as equipes brasileiras não promovem muitas ações de marketing no intuito de conquistar o público jovem, e às vezes até piora os atrativos para as crianças irem aos seus jogos. Por exemplo: antigamente a maioria dos clubes deixavam jovens de até 12 anos entrarem de graça nos jogos. Hoje, alguns times só deixam crianças de até cinco. Além disso, há toda a questão da violência que faz com que os pais evitem de levar seus filhos nos jogos da sua equipe.

Fato é que se não houver ações mais efusivas para fidelizar as novas gerações de torcedores, os clubes brasileiros vão perder ainda mais espaço nos corações dos jovens e os europeus, que hoje são os “segundos times”, passarão a ser os únicos pelos quais as crianças torcerão.



Opinião por Gabriel Moura
O contra o futebol moderno fã do Guardiola. O saudosista do futebol raiz amante da Premier League. O torcedor do City fã do George Best. O fã do Oasis que escuta Blur nas horas vagas. Uma mistura de Cruyff e Klopp com uma pitada de Bielsa.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Como os brasileiros se tornaram amantes do basquete norte-americano

Getty Images

Neste post vamos abordar novamente o tema desterritorialização do esporte, mas dessa vez falaremos um pouco sobre como ocorreu a influência do basquete norte-americano dentro do Brasil, até este se tornar uma febre entre os amantes do esporte, que passaram a torcer ferrenhamente pelos times da NBA, a liga norte-americana de basquete.

Para começar, é importante entender que o basquete perdeu um pouco da sua popularidade no Brasil, por conta dos resultados negativos do país em competições internacionais. Atualmente, a hegemonia estadunidense é dificilmente quebrada, salvo raras exceções, como a Argentina campeã olímpica no masculino em 2004 em cima do “dream team”, como é conhecida a seleção de basquete dos Estados Unidos.

Mas nem sempre foi assim. As seleções masculina e feminina de basquete do Brasil sempre foram fortes historicamente. Ambas possuem títulos mundiais (dois da masculina e um da feminina), e inúmeros jogadores que marcaram época no basquete mundial, como Oscar Schmitd e Hortência. Mas o esporte vem sofrendo uma espécie de decadência dos anos 90 pra cá, e os desempenhos nas competições internacionais tem ficado bem abaixo das expectativas, o que leva à diminuição do número de pessoas que acompanham o basquete.

Em contrapartida, o basquete norte-americano foi crescendo gradativamente. Desde o final da década de 80, quando a TV Bandeirantes passou a transmitir a NBA, a liga começou a se tornar uma febre no Brasil. Naquela época, despontavam lendas do basquete como Michael Jordan, Charles Barkley, Hakeem Olajuwon, John Stockton, etc., e a procura pelo alto nível se intensificou. Hoje, a NBA é transmitida pelo Sportv e pela Espn aqui no Brasil. Para se ter uma ideia, a final da temporada 2017/2018 entre Cleveland Cavaliers e Golden State Warriors teve um crescimento de 23% em relação à final da temporada anterior, disputada pelas mesmas equipes.

Mas o crescimento dessa audiência não aconteceu por acaso. Existem inúmeros fatores, associados principalmente à ideia de rede (que você pode conferir no primeiro texto sobre territorialização), que fizeram a NBA ter esse “boom” no Brasil. Primeiramente, o investimento feito pela liga. Desde sempre, os melhores jogadores de basquete do mundo atuam pela NBA, já que é onde os salários são mais altos, pois as franquias possuem mais dinheiro. Logo, a visibilidade de um jogador atuando pela NBA é muito maior, o que lhe rende mais patrocinadores, o que faz de tudo isso um ciclo que beneficia a todos.

A partir de tudo isso, podemos ver imensas quantias de dinheiro envolvidas na liga. A franquia New York Knicks, por exemplo, foi avaliada em 3,3 bilhões de dólares (cerca de 10 milhões de reais) em fevereiro de 2017. LeBron James, hoje o principal astro da liga, ganhou em 2017 cerca de 88 milhões de dólares, sendo 55 milhões apenas dos seus patrocinadores. Isso tudo mostra como a NBA se tornou o grande centro das atenções no mundo do basquete, e, através da globalização, todos têm acesso e podem acompanhar a liga.

No Brasil, hoje, a NBA é uma grande febre. Cada vez mais camisas dos times da liga são vistas na rua. No Brasil, em estudo realizado em 2017, constatou-se que cerca de 21,11 milhões assistem NBA. A grande maioria dos que acompanham são jovens com renda intermediária, ou seja, aqueles que estão sempre conectados e recebendo informações de todos os lugares do mundo. Os times mais populares são o Chicago Bulls (29% da preferência), o Los Angeles Lakers (16%), seguidos dos dois times que hoje estão em maior evidência na liga, O Cleveland Cavaliers (13%) e o Golden State Warriors.

Nas redes sociais, o fenômeno também cresce como avalanche. Hoje, a conta do twitter NBA Brasil possui 232 mil seguidores. Contas relacionadas aos astros da liga também foram criadas, como a Stephen Curry Brasil, que já possui 2.539 seguidores.  E, além de tudo isso, a NBA ainda promove jogos em inúmeros países durante a temporada regular e a pré-temporada. No Brasil, os dois que aconteceram foram em 2013 (Chicago Bulls x Washington Wizards) e em 2014 (Cleveland Cavaliers x Miami Heat). Sendo assim, o número de fãs tende a crescer ainda mais, até porque a Espn tem contrato com a liga até 2023.

Isso tudo é o resultado do fenômeno também relatado na primeira postagem sobre desterritorialização: crescimento do transporte da presença, como diz Weissberg. A importância do território passa a ser questionada, afinal as equipes passam a ter abrangência global, não mais local. O torcedor não precisa necessariamente morar na mesma cidade ou região para, pelo menos, ter acesso às noticias da equipe para qual torce em rádios, periódicos ou emissoras de tevê.

segunda-feira, 2 de julho de 2018

O que seria da tecnologia no futebol sem ninguém para operá-la?


Foto: Getty Images


Muito se tem discutido sobre o árbitro assistente de vídeo (do inglês VAR – Video Assistant Referee) e a influência desta tecnologia na Copa do Mundo da Rússia. Neste post vamos destrinchar como a novidade não pode cumprir seu papel sozinha e, ao mesmo tempo, porque a figura humana não será diminuída por conta dessa implantação, com base na teoria ator-rede, iniciada na década de 80, na qual teve como um dos principais responsáveis o antropólogo francês Bruno Latour.

Sendo assim, a princípio, temos que entender o que é um objeto (ou um artefato). Pensar que um objeto é apenas uma ferramenta não é nada absurdo. Consequentemente, é comum imaginar que essa é a essência do objeto. Todavia, um item não é apenas uma mera ferramenta ou meio para realizar uma ação imaginada e, consequentemente, fabricada com este fim. De acordo com a teoria ator-rede, os objetos não possuem essência e, desse modo, podem exercer diferentes papeis a depender das associações criadas.

Dessa forma, nesta teoria, o ator é definido a partir do papel que desempenha nas relações onde estão envolvidos, sendo que os atores podem ser seres vivos, materiais ou instituições. Por conta dessa variedade de opções que podem desempenhar a função de ator, em conteúdos dessa teoria muitas vezes é utilizado o termo “actante”, pois é visto como uma forma neutra e evita a relação de que os agentes só podem ser humanos. Já a rede representa as conexões onde os atores estão envolvidos.

Actantes humanos e não humanos (dispositivo inteligente) agem mutuamente e influenciam no comportamento um do outro, com a diferença que o actante não humano pode ser ajustado pelo humano de acordo com a necessidade dele. Ou seja, já que um pode influenciar no comportamento do outro, o objeto pode alterar a forma de pensar e agir do humano. Por conta disso, o objeto, nesse caso o videoárbitro, deve modificar a performance não só dos jogadores em campo como também o desempenho do árbitro principal.

A partir de agora, em competições em que o VAR é utilizado, os jogadores deverão pensar duas vezes para agir dentro da grande área – não só os defensores como também os atacantes. Isso vale até mesmo para a própria performance que se deve fazer ao sofrer um pênalti. Na partida desta Copa do Mundo entre Brasil e Costa Rica, por exemplo, um pênalti, que foi considerado legítimo por muitos comentaristas, não foi marcado em Neymar. O árbitro principal recorreu à visualização na tela e negou a penalidade máxima. A justificativa dos que defendiam a existência da falta? Neymar abriu muito os braços e isso confundiu a arbitragem, dando a entender que ele simulou, disseram.

Neymar em lance no qual o árbitro marcou pênalti e depois voltou atrás após consultar o assistente de vídeo - Eduardo Knapp/Folhapress

Só por isso podemos perceber que a tecnologia não é totalmente objetiva, pois as regras do futebol, nesses casos, são interpretativas. Destarte, não é possível conceder à tecnologia a solução de todos os problemas que cercam a arbitragem. Outrossim, jogadores pensarão em formas, a partir de agora, de como realizar movimentos que atendam a seus objetivos, e que serão capturados por diversas câmeras, não apenas pelos olhos do juiz. Por outro lado, o desempenho do árbitro também muda, pois as chances de ele acertar são maiores. Caso algum lance seja perdido pelos olhos em determinado momento, haverá uma segunda chance de revisão. Portanto, não há como a importância do árbitro central ser diminuída.

Logo, o árbitro de vídeo é um mediador, não um instrumento já disposto previamente de essência. Portanto, não há essência, e actantes humanos e não-humanos assumem determinados papeis a depender das associações que se constituem em determinada ação, segundo André Lemos em referência à teoria ator-rede. O VAR pode, inclusive, não ter mais essa função no futuro, pois a tecnologia pode ser modificada pela FIFA, ou até mesmo limitada a não interferir em campo – para não dizer excluída de vez do futebol, afinal não há definição ad eterna a um objeto, mas sim associações.

O que se discute hoje sobre o tema parte da premissa que houve uma grande mudança no futebol por conta do árbitro de vídeo. E é aí que existe um equívoco. Não é errado dizer que o VAR causou uma revolução no futebol, vide os lances que foram revistos na competição futebolística mais importante do planeta, desde que não se atribua toda a atenção apenas à tecnologia. A “revolução” da tecnologia existe apenas quando há associação com outros actantes – neste caso os membros que operam o sistema e passam as informações ao árbitro principal em campo.

Por outro lado, também não pode existir a busca cada vez maior pelo acerto com ação puramente humana, afinal o ser humano é passível de erros. A busca pela “perfeição” – deve-se entender aqui índices de erros cada vez menores – não vem quando apenas um ator dessa rede atua, mas sim quando há as já destacadas associações estabelecidas. Um bom exemplo é a polêmica em torno do árbitro de linha, como é chamado o auxiliar que fica atrás do gol. Pela Confederação Brasileira de Futebol, a ele é dada a responsabilidade de dar a palavra por tudo o que acontece na linha embaixo do travessão, quando a tecnologia poderia ser muito mais eficiente.

Um exemplo é o erro cometido por um auxiliar foi no Campeonato Carioca de 2014. Na ocasião, o auxiliar, a poucos metros do lance, não validou um gol legítimo marcado por Douglas, do Vasco, contra o Flamengo, quando a bola entrou 33 centímetros em cobrança de falta após bater no travessão. 

Douglas, do vasco, marca de falta, mas árbitro não vê bola passar da linha do gol. Foto: Reprodução/YoutTube - canal NNS FILMES 

Outro, mais recente, é de 2017, quando Jô marcou de braçocontra o Vasco (a presença do cruzmaltino duas vezes aqui é apenas coincidência) pelo Brasileirão. O auxiliar, também muito perto das traves, ignorou a irregularidade.

Mesmo com a imagem, Jô alegou que "não sentiu" o braço encostar na bola. Foto: Reprodução/YouTube

Logo, a ação (neste caso a manutenção ou reversão de uma decisão do árbitro) deve existir pelas associações de elementos que em determinados momentos atuarão como mediadores, não com o poder destinado a apenas um actante.



quarta-feira, 13 de junho de 2018

Por que há cada vez mais conteúdo sobre futebol no YouTube?

As novas formas de produção de conteúdo ampliaram a oferta de conteúdos de uma maneira jamais antes vista. Dessa forma, na era da cibercultura e da facilitação de fazer circular a informação de forma banal, sem necessariamente relacionar isso à entropia, está sendo possível de uma maneira nunca antes vista que cada um possa produzir conteúdo de algo que tem propriedade para falar, por ser entusiasta ou por ser realmente qualificado em uma determinada área.

Com os esportes, leque de temas do blog, não seria diferente, principalmente se tratando de futebol, o desporto mais popular do planeta. Por conta disso, vamos explicar neste post o histórico do fenômeno da cibercultura e como isso se reflete na oferta de conteúdo sobre futebol que vai além da grande mídia.

O insight de produzir conteúdos específicos, seja em texto ou vídeo, se coaduna com a descrição de André Lemos de um dos três princípios, como ele mesmo divide, da cibercultura, que nada mais é do que a troca de elementos da cultura que vivemos hoje a partir das possibilidades abertas pelas tecnologias eletrônico-digitais. Segundo Lemos, o primeiro princípio, que está na base de tudo, é a liberação do polo de emissão.

Dessa forma, se separarmos a era da cultura massiva, datada na literatura desde a década de 20 com o surgimento da teoria hipodérmica e a impotência das pessoas ao questionar tudo o que a mídia informa, e a era da cultura “pós-massiva”, que nada mais é que a superação de todos esses conceitos centenários, o que vemos desde o fim da década de 90 com surgimento da web 2.0, é o antigo “receptor” passar a produzir e emitir a própria informação para um público que cada vez mais cresce e, consequentemente, disposto a demandar cada vez mais tipos de conteúdo.

No YouTube, por exemplo, o maior site de compartilhamento de vídeos do mundo, podemos dizer que isso começou há pelo menos oito anos. Criado em 2005, a plataforma tem esse nome justamente porque todo o conteúdo é disponibilizado pelos próprios usuários. Desde então, a prática comum era a postagem de vídeos caseiros esporádicos filmados, geralmente, com baixa qualidade audiovisual, resultado, em primeiro lugar, da tecnologia iniciante de câmeras em dispositivos móveis.

Outrossim, a plataforma mudou quando os próprios usuários passaram a organizá-la de outra maneira: o que era visto como amador se tornou cada vez mais profissional. Preocupações que não existiam se tornaram fundamentais para quem desejava se destacar: roteiro, iluminação, captação sonora, enquadramento, divulgação, programação de postagem…  Foi quando meros usuários com suas contas de e-mail logadas se tornaram produtores de conteúdo donos dos próprios canais emissores.

E essa troca de informações é globalizada. Idioma e diferenças culturais não são empecilhos para esse processo. A exemplo disso, a ideia de globalização, característica da cultura contemporânea, geopoliticamente nos remete à concepção de perda de uniformidade no território. Na esfera cultural, as fronteiras também estão a desaparecer pelo que se chama de multiculturalismo, conceito chamado pelo sociólogo britânico Anthony Giddens de desencaixe. Por meio da internet é possível ter acesso a uma infinidade de conteúdos de outras nações sem nos darmos conta dessa desterritorialização.

Mas com tanta gente querendo produzir, será que existe tanta gente para assistir, considerando que quem produz também acompanha outros produtores de conteúdo? É claro que sim. O que não se pode dizer é que todos que emitir informações em rede terão o mesmo sucesso de uma minoria. Um grande exemplo no Brasil é o canal no YouTube Desimpedidos, que é o detentor da maior quantidade de inscritos na categoria futebol na plataforma, com pouco mais de seis milhões de inscritos. Existem diversas explicações técnicas para esse número, seja competência, investimento inicial, competência dos profissionais.... Mas na nossa análise vamos abordar o conceito central de rede social defendido por Raquel Recuero e como essa rede se expande.

Segundo ela, sob uma ótica de Wasserman e Faust, além de Degenne e Forse, uma rede social é um conjunto de dois elementos: os atores e suas interações, considerando que o termo rede aqui é utilizado como metáfora para análise de conexão de um determinado grupo. Por conta do distanciamento dos indivíduos na interação social (quem produz o conteúdo e quem o acompanha) - característica da comunicação mediada por computador -, os atores, que são os responsáveis pela produção de conteúdo, trabalham com construções identitárias neste ciberespaço.

Isso se deve pela intensa busca da construção da própria identidade por parte dos atores no ciberespaço, de acordo com a citação de Döring, Lemos e Sibilia feita por Raquel Recuero. Segundo ela, “essas apropriações funcionam como uma presença do ‘eu’ no ciberespaço, um espaço privado e, ao mesmo tempo, público. Essa individualização dessa expressão, de alguém ‘que fala’ através desse espaço é que permite que as redes sociais sejam expressas na Internet”.

Um exemplo pode ser encontrado em diversos canais sobre o fantasy game Cartola, jogo no qual o desempenho real de jogadores de futebol no Campeonato Brasileiro da Série A atribui pontuações virtuais para quem os escalam. Com a facilidade de criação de conteúdo no ciberespaço, muitos acreditam que possuem a capacidade de dar dicas para outros usuários divulgando conteúdo. Porém, com a grande concorrência na plataforma, resultante do primeiro princípio da cibercultura, cada produtor de conteúdo precisa encontrar o próprio “eu” no ciberespaço, segundo Requero.

Em outras palavras, a busca por uma identidade única é uma estratégia de diferenciação para que a definição de rede social posta aqui seja feita com maior alcance em meio a diversos outros atores no ciberespaço. Sibilia se refere a essa necessidade de exposição pessoal como “imperativo da visibilidade”, na qual é preciso ser “visto” para existir no ciberespaço. É uma disputa por espaço dentro do ciberespaço, independentemente da plataforma. O resultado disso é o que André Lemos chama de terceiro princípio da cultura contemporânea (cibercultura): a reconfiguração.

O que temos na prática é jornais fazerem uso de blogs e de podcasts, que por sua vez emulam programas de rádio; as rádios também fazem o papel inverso e divulgam suas emissões editadas em formato podcast; a televisão faz referência à internet, e a internet faz referência à televisão. Por conta disso que cada vez mais os programas esportivos da TV aberta, e principalmente dos canais por assinatura, buscam chegar a um formato mais dinâmico encontrado na internet; enquanto os canais da internet divulgam seus vídeos com coordenação, edição e direção encontradas em emissoras de TV, justamente para buscar o “imperativo da visibilidade” de Sibila.

Alguns exemplos podem ser vistos com jornalistas que divulgam as próprias opiniões em outras redes sociais.

O jornalista Mauro Cezar Pereira, da ESPN, criou seu próprio canal no YouTube para tratar dos mais diversos assuntos sobre futebol. O espaço já conta com mais de 76 mil inscritos e conteúdos que ultrapassam 150 mil visualizações. Outra personalidade do futebol que migrou para a plataforma foi o ex-jogador Zico. O “Galinho”, como é conhecido, tem mais de 723 mil inscritos. O flamenguista produz vídeos com outros famosos do meio, seja com entrevistas ou com desafios de cobranças de falta - ponto forte em sua carreira.

Em ritmo de Copa do Mundo, alguns jogadores da Seleção Brasileira também estão produzindo conteúdo como forma de aproximar os fãs. O lateral esquerdo Marcelo criou um canal há um tempo e hoje já tem quase 767 mil inscritos. O jogador do Real Madrid busca mostrar os bastidores do clube espanhol e da Seleção Brasileira. É uma maneira de exibir o que a TV não exibe. Colocar os torcedores dentro dos vestiários, das preparações que antecedem a um jogo. Já Willian criou o canal justamente para mostrar a caminhada dos comandados de Tite na Rússia. O atacante está produzindo no YouTube a série “The Journey” (A Jornada, em inglês), mostrando os bastidores e entrevistas dos envolvidos na jornada canarinho rumo ao hexa.

quarta-feira, 16 de maio de 2018

Desterritorialização do futebol: Corinthians e Flamengo cada vez mais nacionais

Para começarmos uma discussão sobre de que forma o fenômeno da desterritorialização acontece dentro do esporte e, principalmente, dentro do futebol, precisamos entender primeiro o significado de rede. Não só desde sua gênese, hoje a palavra tem um significado quase que onipresente nas áreas do conhecimento. No que iremos discorrer, podemos dizer que rede é uma técnica maior de organização do espaço-tempo. Segundo Musso, é uma matriz espaço-temporal. de um lado, a rede técnica abre a restrição espacial sem a suprimir e superpõe um espaço sobre o território - ela territorializa e desterritorializa - e, de outro lado, ela cria um tempo curto pelo rápido transporte ou pelo intercâmbio de informações.

Para entender a desterritorialização dentro do futebol brasileiro é preciso aceitar que ela não se deu apenas por um fator único, ou seja, não há uma fórmula exata que diga especificamente o motivo de ter acontecido esse fenômeno. A história do futebol no Brasil é muito rica e longa, e descrever minuciosamente cada aspecto tomaria um enorme quantidade de linhas. Portanto, utilizaremos como exemplo as torcidas de Flamengo e Corinthians para explicar os motivos que levaram à desterritorialização dentro do futebol brasileiro.

Não é novidade para ninguém que as torcidas de Flamengo e Corinthians são as maiores do Brasil. Na última pesquisa do datafolha, publicada em 13 de abril de 2018, foi constatado que o Flamengo ainda possui a maior torcida, com 18%, e, em segundo, o Corinthians aparece com 14% dos torcedores dentro de todo o território nacional. O interessante da pesquisa é que ela também mostra a quantidade de torcida dos clubes dentro de cada região do país. Na região Norte, o Flamengo aparece com 23% dos torcedores da área, sendo o principal clube com torcida. O segundo é o Corinthians, com 8%, e, entre os oito primeiros colocados no ranking da região, nenhum clube que tem suas origens no norte do país.

E não para por aí. Tirando a região Sul, que possui Grêmio e Internacional como os dois principais clubes em torcida, em todas as outras regiões Flamengo e Corinthians são os dois primeiros colocados no ranking. Como já foi dito, esse fenômeno pode se dar por inúmeros fatores que atuam de forma conjunta. O primeiro deles é o acesso. Flamengo e Corinthians são dois clubes conhecidos por serem times de massa. As torcidas que eles possuem dentro dos seus próprios nichos (Rio de Janeiro e São Paulo) e o apelo comercial que adquiriram por isso fizeram com que grandes empresas investissem nas relações com esses clubes. Em 2018, por exemplo, Corinthians e Flamengo terão direito à 170 milhões de reais cada em cotas televisivas da Rede Globo, detentora dos direitos de transmissão do campeonato brasileiro da Série A.

Por esses motivos, o espaço dentro das grandes mídias desses clubes cresce a cada dia. Mesmo em emissoras como a ESPN e a Fox Sports, que não detêm nenhum direito sobre a transmissão do campeonato brasileiro, a programação diária é pautada principalmente nesses dois clubes com maior torcida, além de outros que dão audiência como Palmeiras, Vasco, São Paulo, etc. A partir disso, grandes clubes do futebol brasileiro, como o Santos, por exemplo, perdem muito espaço na mídia e acabam sofrendo com o processo inverso: Diminuição de sua torcida. Em fevereiro de 2017, foi feita uma pesquisa pelo instituto datafolha que revelou que, de 1993 pra cá, o Santos perdeu cerca de 28,5% de sua torcida, e isso apenas na cidade de São Paulo.

Outro fator que ajuda muito no processo de desterritorialização é a avalanche chamada “redes sociais”. Torcedores de todos os lugares do Brasil estão conectados e podem conversar entre si sobre os seus times, e acompanhar todas as notícias e informações como se estivessem na cidade do próprio clube. Sendo assim, torcedores do São Paulo, por exemplo, que vivem no Mato Grosso do Sul, podem ter acesso à torcedores que moram no Amapá, e, em grupos de Facebook, Whatsapp, etc., discutir coisas como a melhor escalação para o time, ou se o técnico está fazendo um bom trabalho, entre tantas outras possibilidades. Isso cria uma aura em torno dos clubes de futebol, que, quando vão para cidades mais distantes de suas sedes são recepcionados com enorme comoção.

Isso se deve ao efeito das redes como a internet na desterritorialização causante do crescimento do transporte da presença, como diz Weissberg. Nesse sentido, a importância do território é questionada, quiçá negada, pois um time, antes local, passou a ser considerado como de abrangência nacional, sendo que um torcedor não precisa necessariamente morar no território de origem do clube para ser torcedor. Por outro lado, uma observação mais flexível discorre que, ao contrário de negar a importância da localização, as redes só fazem aumentá-la. Dessa forma, as comunidades de torcedores que mais veem as relações interferidas são as territorialmente próximas. Assim, torcidas locais de times de fora encontram na internet (coletividades) um meio de reforçar seus laços e a frequência de seus encontros reais, tanto na cidade de origem do time quanto em outros locais.

A desterritorialização das torcidas nos estádios construídos para a Copa

Um exemplo concreto da presença da desterritorialização dos times brasileiros é o número massivo de torcedores oriundos de regiões externas a de origem da equipe em estádios que foram erguidos para a Copa do Mundo de 2014. Em Brasília, o Estádio Mané Garrincha, considerado o 2° mais caro do mundo em custos totais (segundo a Pluri Consultoria) foi construído numa cidade sem tradição no futebol nacional. Os times mais conhecidos do Distrito Federal como Gama, Ceilândia e Brasiliense estão fora do campeonato brasileiro ou no mínimo na série D, quarta divisão, sendo obrigatória a participação de pelo menos duas equipes de cada unidade federativa. Com capacidade de 72.788 assentos, o Mané Garrincha corria risco de ser transformado em um grande elefante branco no pós Copa, pois não teria público suficiente disposto a ocupar parte considerável das cadeiras e usufruir dos serviços disponíveis nas partidas de times locais.

Entre os anos de 2013 e 2016 foram realizadas partidas pelo Campeonato Brasileiro da Série A em Brasília com equipes da região sudeste como Flamengo, Vasco, Botafogo, Fluminense, Corinthians, São Paulo, Cruzeiro, da região sul como o Atlético Paranaense e região centro-oeste o Goiás. Além de dar utilidade ao estádio com a realização de partidas, o público pagante ocupava parcela significativa das cadeiras. Ao mesmo tempo, em partidas realizadas por times regionais, o público não passava dos 1.000 pagantes. Essa disparidade controversa é explicada pelo levantamento feito em 2014 pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), a qual, revelou que 60% dos habitantes torcem para times de fora. Dentre os times de fora, o Flamengo ocupa a primeira posição com 47,9%, seguido de Vasco com 12,2% e Corinthians com 7,3%. Com o baixo sucesso das equipes locais na história do futebol brasiliense, apenas 5,9% dos habitantes torcem para algum time local.

As tentativas de aproveitarem a desterritorialização entre torcidas e equipes no Distrito Federal foram frustradas com a proibição das equipes do campeonato brasileiro da série A de realizarem partidas com mando de campo fora do estado de origem. Sendo assim, o estádio com reforma orçada em 1,5 bilhão passou por um hiato de 9 meses sem uma única partida de futebol oficial transformando todo o potencial de reunir torcidas desterritorializadas num elefante branco sem utilidade.

A mesma questão de desterritorialização das torcidas cabe a Arena da Amazônia. Com times apenas na série D e baixíssima presença de público, a alternativa encontrada é abrir espaço para a realização de eventos que não estejam ligados ao futebol. Vale ressaltar que o futebol feminino é muito presente na Arena da Amazônia, pois a equipe de Iranduba disputa a primeira divisão do brasileirão, no entanto, o brasileiro ainda não se familiarizou com o futebol feminino da forma como acompanha o masculino.

No Amazonas, segundo dados de 2015 da empresa de pesquisa Action, o Flamengo é o time com maior porcentagem de torcedores com 45,8% dos torcedores, seguido de Vasco da Gama com 19,3%, Corinthians com 9% e São Paulo com 7,9%. Somente na quinta posição que aparece um time local o Nacional com míseros 4,1% de torcedores.

Aproveitando esses números numa metrópole como Manaus com 2.130.000 habitantes, foi realizado em 2016 partidas válidas pela a final Taça Guanabara na Arena da Amazônia duas partidas entre Flamengo, Vasco e Fluminense. Na primeira partida o público chegou a 32.061 torcedores, enquanto que na segunda partida pela Taça o número de torcedores foi de 44.419. Fazendo um comparativo da mesma época, a média de torcedores em partidas oficiais na atuação de times locais chegava a 6% da capacidade de assentos no estádio.

Clubes filhos de outros clubes

O sucesso e consolidação que as equipes garantiram ao longo do tempo influenciou os torcedores desterritorializados irem além do que torcer por um time de uma outra região. Claro que alguma dessas equipes que influenciaram não tem o mesmo sucesso hoje que tiveram tempos atrás como o América do Rio de Janeiro, no entanto, a vontade de criar um clube por amor a uma equipe de fora perdurou e inúmeros clubes chamado América, por exemplo, com seu emblema circular vermelho e branco estão espalhados pelo Brasil e até no exterior. Um dos grande filhos do time carioca é o América de Natal que já disputou 15 temporadas da primeira divisão do campeonato brasileiro sendo a última em 2007.

Similar a este exemplo citado acima podemos falar do Botafogo da Paraíba, Fluminense de Feira, Flamengo do Piauí, Flamengo de Guanambi, Santos do Amapá, Atlético do Espírito Santo. A semelhança destas equipes é tão óbvia que além dos nomes corresponderem as grandes equipes do Campeonato Brasileiro os escudos são praticamente iguais ou muito próximos como uma estrela solitária branca no carioca e uma estrela solitária vermelha no paraibano.


Outrossim, para Pierre Lévy, o virtual é o que se opõe ao atual, ou seja, um nó de tendências que acompanham uma situação. No caso do futebol, as influências dos times das regiões Sul e Sudeste sobre os do restante do Brasil, seja para inspirar novos times, seja para atrair novos torcedores. Logo, quando essas tendências se virtualizam, ela se desterritorializam.

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